domingo, 31 de outubro de 2010

Mentirinha

   Vi em seus olhos a importância que tenho em sua vida.
   Foi assim, de repente, em uma brincadeira. Estava com viagem marcada e inventei que havia a possibilidade de que não voltasse mais. Ela arregalou os olhos, abriu a boca e empalideceu. Perguntou, praticamente afirmando, que era mentira, que eu voltaria, estava só brincando. Respondi que não tinha planos de ficar, mas nunca se sabe... Não parou de apresentar motivos para que eu voltasse. Inesperado! Não achei que fosse sentir tanto a minha falta, não partindo dela. Disse que voltaria sim, estava brincando. Ela relaxou.
   Ganhei o dia: eu me senti gostado.

domingo, 24 de outubro de 2010

Pose para a foto

Conheceram-se na própria festa e ficaram conversando. Notou como ela era bonita. Tão bonita que ele concluiu, plenamente ciente de sua feiura, que não teria qualquer chance. Valeria a pena tentar? Alguém chama a atenção dos dois, pose para a foto. Flash! Ela quis ver, o fotógrafo mostrou. O feio comentou “A foto ficou meia bonita” e riu da própria piada. Sabia que em geral se fala “meio bonita”, para significar “um pouco bonita”, só que usou intencionalmente “meia bonita” para querer dizer “bonita pela metade”, ou seja, a metade dela, ele era a feia. Ela não entendeu a piada e, de repente, ele não a achou mais tão bonita assim...

Sinal vermelho

  Parou o carro. Não vinha nenhum outro, cruzando a pista. Porém, parou. Esperou. Viu outro carro parar ao seu lado, esperar um pouco e depois avançar o sinal. Esperou. Nenhum carro cruzava, contudo lei é lei. Um carro passou na outra faixa, ao seu lado, sem nem titubear. Simplesmente ignorou a cor do semáforo. Esperou... Aquele sinal não costumava demorar tanto. Talvez estivesse com defeito. Olhou mais uma vez, certificou-se de que era seguro e passou.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Fechadura

  Colocou a chave na fechadura, como sempre. Tentou girá-la, não conseguiu. Já há um tempinho tem tido problema para abrir a porta. Tirou e colocou a chave de volta, tentou girar de novo, mais um insucesso. Bufou! Aquela chave sempre funcionou, qual era o problema? Como pensou em voz alta, um jovem ao lado respondeu: “É a fechadura. Com o tempo ela muda. Você vai precisar atualizar a sua chave, senão um dia não vai abrir mais nenhuma porta”.

Lavar as mãos

  Abriu a torneira, a água jorrava. Molhou-as bem, passou o sabonete. Esfregou intensamente. Passou uma mão na outra, várias vezes, por cima, por baixo, na palma, cada um dos dedos, até de baixo das unhas. Repetiu o movimento diversas vezes. Esfregou as mãos na água por longo tempo, tentando insistentemente livrá-las de qualquer impureza. Limpava as mãos freneticamente. Há muito havia tirado as manchas de sangue, mas não conseguia fazer escoar pelo ralo a culpa.

Espreguiço

  Estava sentado ao sofá, na sala, junto com sua mãe. Como acabou a conversa, ela pegou sua revista e começou a ler. Sentindo aquele sono pós-almoço, ele espreguiçou. Tinha a mania de gritar enquanto espreguiçava. Não um grito agudo, estridente, e sim um grave e contínuo grito. Todo mundo achava esquisito. Já esperando a cara de estranheza da mãe, olhou-a. Nada. Lia a revista normalmente. Começou a rir incontrolavelmente. Como as pessoas se acostumam à loucura das outras! Ela disse nem ter escutado o barulho. Ele frisou, entre risos múltiplos, que não tinha como ela não ter escutado.