sábado, 30 de abril de 2011

Desequilíbrio

   Seu namoro acabou. A partir de então, passou a andar um pouco inclinada, para o lado. Não conseguia evitar, mesmo que percebesse. Andava desse jeito, meio desequilibrada... conseguia. Só que, na faculdade, a professora pediu um trabalho difícil, sobre um assunto que ela não entendia. Inclinou-se mais um pouco, um pouco mais pendia para o lado ao andar. Ao chegar em casa, seu computador não funcionou. Não seria nada se não estivesse tão inclinada, porém, foi ao chão e lá ficou, chorando, totalmente desequilibrada.

domingo, 24 de abril de 2011

Correnteza

   A água corria, e escorria por entre seus dedos. Parado no meio do rio, a correnteza passava por seu corpo em um dia ensolarado. O jovem mantinha as mãos abertas, submersas. Sentia a água fluindo irrepreensivelmente por seu corpo. Ele não poderia detê-la. Ainda assim, fechava suas mãos e as erguia. Nem mesmo aquela pequena quantidade do líquido se mantinha. Quando olhou, já ao entardecer, percebeu o quanto suas mãos estavam enrugadas. Submergiu-as novamente, as palmas voltadas para a irremediável correnteza. Sua vontade era mudar sua direção, ter de volta aquilo que passou. Porém, nem mesmo conseguia conter entre seus dedos uma quantidade significante da água. Como pretenderia mudar seu sentido? Já era noite quando ele finalmente se convenceu – embora antes já soubesse – de que não adiantaria tentar parar a correnteza. Olhou suas mãos, as águas escorrendo dos dedos mais uma vez. Por trás dela podia ver, no reflexo da água sob a luz da lua, seu rosto também enrugado.

sábado, 16 de abril de 2011

Antolhos

  Pobre cavalo! Usa antolhos e nem percebe. Acredita piamente que a visão que tem é A visão correta. Convenceu-se de que não há nada superior àquilo que entende como verdade. A partir desse dia, tudo mais que viu, interpretou com base naquilo que já conhecia. Aprisionado pela viseira, que direciona sua visão, não aceitará nunca que uma visão diferente é tão válida quanto a sua, e quanto qualquer outra. Afinal, acredita piamente que só os outros cavalos não enxergam. Porém, pergunte à ele se enxerga-se dessa forma? Ele responderá que só a ignorância estreita a visão dos cavalos, esquecendo-se de que o conhecimento também serve muito bem, até melhor, à função de tapa-olhos. Talvez esquecendo-se até de que ele mesmo também não passa de um cavalo.

sábado, 9 de abril de 2011

Homens!

   Terminou de assistir ao filme e xingou o personagem principal. Era um homem movido a desejo, que se entregava a qualquer mulher bonita que lhe jogasse um charme. Tão volúvel e sem comprometimento quanto qualquer homem, na vida real. Era isso que mais lhe irritava: ele espelhava os canalhas que são todos os homens.
   No fim de semana encontrou-se com o sujeito que conheceu em uma boate. Após flertes, trocas de elogios e insinuações, resolveu baixar suas defesas e deixou que a beijasse. Conversaram, beberam, conversaram mais, beberam mais e lá pelas tantas da madrugada estavam em um motel.
   Segunda-feira, no trabalho, comentou o filme com as colegas. E comentou o encontro que teve. Elas reagiram de mesma forma negativa em relação ao personagem do filme e de mesma forma passional em relação à aventura romântica. Pensa-se com o cérebro, sente-se com o coração.

sábado, 2 de abril de 2011

Chocolate

   Tinha uma verdadeira fissura por chocolates. Só de pensar, ficava com vontade de comer. Às vezes via algo com aquela marcante cor marrom e pensava ver um chocolate, embora não fosse. Contudo, não gostava da sensação de ser dominada por um impulso. Empenhada em se ser dona de si mesma, decidiu nunca mais passar em frente às confeitarias. Não olharia para os chocolates acima dos caixas das padarias. Daria a volta no mercado para contornar a seção dos chocolates. Assim, evitaria o desejo.
   Um dia foi encontrada no chão de seu apartamento, os olhos abertos, mas distantes, delirantes. Chocolate derretido contornava sua boca e respingos grossos podiam ser vistos ao redor do corpo. Após tempos fugindo de qualquer tipo de tentação, recebeu, de um amigo desavisado, uma imensa cesta como presente de aniversário, repleta de chocolates. O contato foi inevitável, comeu-a inteira de uma só vez.